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“O Último Trago” e o caráter hermético dos filmes cabeça


São filmes como “O Último Trago” que nos revelam a importância da crítica. Muito se comentou, ao término da sessão, sobre a incapacidade de entendimento por parte do público. Eu mesma, confesso, sabia que havia algo ali, mas não o que era. Foi necessário o trabalho posterior de apreensão e amadurecimento das ideias, algumas lançadas pela obra e outras percebidas a partir das opiniões especializadas. Veja bem, o trabalho que me proponho a fazer neste espaço é o de exercer o senso crítico enquanto espectadora, passeando por reflexões filosóficas e políticas. Acredito que todos podem assumir semelhante postura, basta investir na prática. Entretanto, o filme exigiu maior investigação e, por faltarem palavras ou elucidações, escolhi me debruçar em outros textos. O que apenas reflete o caráter hermético da narrativa em questão, que conta uma história difícil de reproduzir: na beira da estrada há uma mulher caída. Um homem misterioso resgata essa mulher. Corta a cena e ela está sendo exibida em uma casa de prostituição. O roteiro se desenvolve após o prólogo pouco explicativo, mas que é ressignificado no final, quando a dançarina incorpora o espírito de Valéria. Ela, força indígena lutando por justiça, conecta todos os arcos dramáticos. Valéria é um sinal da luta pela restituição do corpo feminino, expropriado a serviço do progresso civilizatório no Brasil.

A ação central acontece em um bar no interior do sertão. Não há um contexto específico e o surrealismo estético transborda nas falas e nos acontecimentos, à medida que somos tragados pelas dúvidas que o filme provoca. Personagens entidades – que não apresentam bagagem ou destino – interagem nesse bar e se deparam com a história de uma guerrilha feminina. Tudo indica que o grupo de mulheres combatentes do Estado e da religião católica hospedou-se naquela casa. Valéria esteve junto delas e também está com Marlene, mulher abandonada e que se torna garçonete na instalação. A sensação que tive ao deixar o cinema e que ainda tenho, após consulta, é a de que “O Último Trago” constitui uma grande metáfora para a exploração brasileira. Exploração que passa, inevitavelmente, pelo controle do corpo das mulheres, especialmente das mulheres marginalizadas – eu não poderia esquecer de dizer isso na semana de 8 de março. Assistimos a encenação da história do nosso país, pontuada por símbolos e referências às muitas culturas e religiões que nos compõem. Entretanto, a abstração narrativa, essencial para uma metáfora, extrapola alguns limites em “O Último Trago”. É interessante, mas não conecta. Falta força para que a mensagem seja comunicada de modo que o público sinta um rebuliço dentro de si. Quando as dúvidas são maiores do que o ímpeto de refletir, gerando certa rejeição e preguiça, o conteúdo pode se tornar apenas inacessível. É uma falha que talvez a produtora Alumbramento não tenha conseguido superar, apesar da belíssima tentativa. Apesar das imagens poéticas e das preciosas atuações, o tom político se perde num enredo solto, no qual as pontas não são devidamente fechadas.

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Manu Mayrink é fanática por livros, filmes, séries, música e lugares novos.  A internet é seu maior vício (ao lado de banana e chocolate, claro) e o "Alguém Viu Meus Óculos?" é seu xodó. Ela ama falar (muito) e contar pra todo mundo o que anda fazendo (taurina com ascendente em gêmeos, imagine a confusão!). Já morou em cidade pequena e em cidade grande, já conheceu gente muito famosa e outras não tanto assim (mas sempre com boas histórias). Já passou por alguns lugares incríveis, mas quando o dinheiro aperta ela viaja mesmo é na própria cabeça. Às vezes mais do que deveria, aliás.

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