Culpa e paranoia em cena em "Homem Livre"
Onde está a liberdade, se não dentro da nossa cabeça? “Homem Livre” dialoga com muitos conceitos contemporâneos, inclusive estar preso ao passado em uma sociedade punitivista. Hélio Lotte (Armando Babaioff) cometeu um crime brutal e cumpriu a sentença de forma resignada. Na prisão, encontrou Deus e é nele que também se apoia quando retorna ao convívio. Ele foi um roqueiro famoso, cuja carreira se deteriorou após o escândalo público e, por isso, ao deixar o cárcere, esconde-se em uma igreja evangélica. O clima de paranoia é gradativo ao longo do filme, já que os motivos para desconfiança só crescem: o protagonista pensa estar livre da imprensa e da retaliação, mas começa a suspeitar de todos a sua volta. Gileno (Flávio Bauraqui), o pastor que acolhe Hélio, passeia entre a bondade e a dissimulação. E o roteiro nos coloca, justamente, nesse lugar de constante dúvida. Será que os acontecimentos são imaginados? Será que não existe nada por trás das aparências?
O fato é que Hélio se sente perseguido por suas próprias escolhas e precisa exorcizar os fantasmas antes de viver em liberdade. Talvez recaia sobre a doutrina evangélica essa necessidade que o personagem sente de se perdoar. Afinal, culpa e perdão aparecem constantemente no discurso evangélico. Tratando-se de um filme com tantos aspectos psicológicos, a atuação de Armando Babaioff é contida. O ator construiu um Hélio Lotte submisso ao pastor Gileno e muito calado, mas que se revela potencialmente agressivo a partir de certos gatilhos. Essa modulação é interessante, mas fica menor ao lado de Flávio Bauraqui, que cumpre exatamente a função narrativa de intrigar. Suas reais intenções são camufladas e o que emerge é um orador habilidoso. Olhamos para ele com o mesmo olhar desconfiado daqueles que não partilham de sua fé. O preconceito religioso é um tema presente, entretanto, a verdadeira crítica reside no culto à personalidade. Na paixão por um ídolo que o coloca acima do ser humano, seja ele o pastor ou o cantor. Desafiar esse modus operandi da Igreja midiatizada e das personalidades em declínio, neste momento do Brasil, é um ato de coragem e “Homem Livre” merece reconhecimento por essa honestidade.